No país dos monstros
Um desabafo à sombra da necropolítica, cheio de ódio ao ódio e nem sequer revisado
Não dá pra escrever sobre o livro genial que eu tô lendo ou sobre ter retomado a escrita de um projeto pessoal, não dá para mais nada se essa noite perdi o sono por causa dessa monstruosidade que está sendo gestada e pode vir a ser diabolicamente parida nas entranhas do congresso.
“Ein Filterkaffee” é a newsletter de um escritor e roteirista brasileiro (eu) vivendo na cidade de Colônia, na Alemanha. Se você chegou agora, dê uma olhada no primeiro post
Este aqui é um post atípico.
Pode ser que quando você estiver lendo isso aqui, a situação tenha mudado. Por enquanto, nessa manhã de uma sexta-feira catorze com ares de sexta treze, as perspectivas são sombrias, para dizer o mínimo.
Preciso dizer do que é que estou falando? Duvido que alguém não saiba. O projeto de lei do Centrão evangélico de submeter as mulheres e meninas brasileiras a uma camada a mais de terror numa realidade que já é, para elas acima de tudo, o terror.
Por que é que a gente não diz, com todas as letras e todo dia, que o Brasil é um terror? Se era possível mascarar um pouco isso pensando na nossa música, por exemplo, ou pensando nos aspectos lindamente dionisíacos da nossa cultura, desde 2018, não, desde 2016 que não dá mais, desde o golpe contra Dilma e o esgoto vindo a superfície nas falas orgulhosas de si de todos aqueles boçais, e no elogio a um torturador feito vocês sabem por quem... Depois de tudo que a gente viu e vê e que segue piorando, uma escuridão cada vez mais densa… Depois disso, sob tudo isso, pra mim não dá mais. É preciso afirmar que se vive no meio do terror, e não num finzinho de tarde divinamente instagramável do Arpoador.
Então, esse post aqui não tem cena no café, não tem dica de escrita. Até me passou pela cabeça, quando na madrugada sem conseguia dormir eu rascunhava esse texto na cabeça, falar sobre Bolaño, que retratou a violência contra as mulheres, na sua fria, crua brutalidade, em “Estrela distante” e principalmente em “2666”. Mas não tá dando pra falar de livro, nem mesmo de livros como esses, que além do registro e de uma tentativa de fazer sentido do que não tem são, também, tributos às incontáveis vítimas da misoginia. Dessa ideia de falar de Bolaño restou o título desse post, que se não me falha a memória vem de algum livro dele.
O país dos monstros hoje é multinacional. É uma corporação misógina, racista, anti-popular, disposta a qualquer coisa para chegar ao poder e de lá nunca mais sair. Uma corporação que busca ampliar seu market share à base de congregar ódios e ignorância, inventando inimigos imaginários e perseguindo gente real, dilapidando liberdades e direitos duramente conquistados por gerações.
Por que eu digo que é preciso afirmar que estamos imersos no terror? Porque é preciso muita energia, muita raiva, uma energia que só a raiva dá, para enfrentar essa merda toda com alguma chance de vencer. Minha filha caçula, que nem dez anos tem ainda, riu quando soube que o Lula usava em campanha a frase “o amor vai vencer o ódio”. Ela perguntou, “ele é criança?”
Ela tem razão. O amor não vai vencer o ódio. É preciso ter ódio ao ódio, isso sim. Tomara que um milagre (laico) aconteça e essa bosta de PL dos infernos seja abortada. Mas, mesmo que isso aconteça, a máquina do terror não vai parar.
É a barbárie!!!
Precisamos ter raiva e ódio!
Eu estou com muito ódio...